A
proximidade das eleições municipais trouxe um interesse muito maior sobre
vários aspectos de uma administração municipal, sobre a Câmara de Vereadores, o
que, certamente, é muito saudável, no sentido de uma conscientização maior dos
cidadãos.
Muitas
pessoas têm sugerido temas a serem abordados nesta pequena crônica diária, com
assuntos em que as dúvidas são grandes. Alguns, inclusive, se propuseram a
trazer assuntos escritos para que fossem apresentados neste horário, coisa que
concordo, desde que se possa estabelecer antes uma avaliação sobre o assunto e
sua lisura no que disser respeito à questão legal. Foi assim que surgiu, por
sugestão de ouvintes da Poema, o assunto de hoje: “Até onde vai a responsabilização
de um Prefeito, por atos duvidosos cometidos por secretários municipais”. Farei
alguns comentários, portanto, embasados em pesquisa em sites e obras jurídicas.
"Qual a
responsabilidade do Prefeito Municipal por ato administrativo praticado por Secretário Municipal?
Em outras palavras, o que se quer saber é o seguinte: havendo
decreto municipal que delegue autonomia a cada secretário para ordenar
despesas na sua respectiva pasta, além daquela autonomia já conferida em
lei, como por exemplo, para os secretários de educação e de saúde, no que
pertine à gestão dos recursos do Fundeb e do Fundo Municipal de Saúde, na
hipótese de um secretário desses ter
suas contas contas rejeitadas por um Tribunal de Contas, ou
vir a ser acusado de ilicitude na gestão de recursos públicos, apurada em
qualquer processo regular de direito, até que ponto o Prefeito fica
isento de responsabilidade?
É válido o argumento
do Prefeito de que ele nada sabia acerca do que se passava na
secretaria em questão?
Pode ele eximir-se de
toda e qualquer responsabilidade?
Bom, preliminarmente,
cabe dizer que não há disciplinamento jurídico-normativo específico, que aborde
a matéria direta e expressamente.
Agora, a
jurisprudência(pareceres jurídicos e decisões) indica claramente de que forma
os Tribunais têm lidado com os casos concretos que lhes chegam para julgamento.
Alguns exemplos colhidos ao acaso:
1)O Tribunal de
Justiça do Estado do Paraná, no Processo nº 146.341-4, de relatoria do Des.
Bonejos Demchuk que deparou-se com a seguinte situação:
o Prefeito Municipal de Carlópolis arguia inocência quanto às
irregularidades praticadas pelo Secretário de Agricultura, por ele
nomeado, durante seu mandato à frente da referida municipalidade. Segundo
o Prefeito, ele desconhecia a ocorrência de tais práticas.
A Juíza de Primeiro
Grau declarou que ambos incidiram em ato de improbidade
administrativa, sendo o Prefeito solidariamente responsável ao
Secretário.
Na fase apelatória,
o Prefeito apresentou provas testemunhais e documentais de que
não participou formalmente de qualquer ato relacionado às
irregularidades apuradas nos autos em questão.
Porém,
o Desembargador-Relator entendeu que: "ainda que, de fato, o
Sr. Prefeito não tivesse ciência dos atos ímprobos efetuados por um
de seus Secretários, o que se faz apenas por amor ao debate, nem mesmo
isso poderia isentá-lo de ser responsabilizado, haja vista ter sido negligente.
Assim, tem-se que, não obstante a
necessidade de descentralizar a administração do município, para melhor atender
à população e aos serviços públicos dos quais ela se
utiliza, as atividades do Executivo são de responsabilidade
do Prefeito, direta ou indiretamente, seja pelo desempenho de
suas funções, seja pelo dever de direção ou supervisão de sua equipe de
trabalho."
Claro está que
o prefeito não realiza pessoalmente todas as funções do
cargo, executando aquelas que lhe são privativas e indelegáveis e
traspassando as demais aos seus auxiliares e técnicos da Prefeitura
(secretários municipais, diretores de departamentos, chefes de serviços e
outros subordinados). Mas todas as atividades do Executivo são de sua
responsabilidade direta ou indireta, quer pela sua execução pessoal, quer pela
sua direção ou supervisão hierárquica."
Portanto, a responsabilidade
do Prefeito não é afastada apenas porque o secretário municipal
era ordenador de despesas de uma unidade gestora.
2) Vejamos agora o
entendimento de outro Tribunal de Justiça Estadual.
Processo Crime Nº 699801395, Quarta
Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Gaspar Marques
Batista, Julgado em 29/06/2006:
"PREFEITO MUNICIPAL -
LICITAÇÃO - FRAUDE - EMPRESAS LICITANTES PERTENCENTES A UMA MESMA PESSOA
FÍSICA.
a. Fica frustrado o
caráter competitivo do procedimento licitatório, se são convidados a participar
do certame, três empresas de
propriedade de uma mesma pessoa física, a qual mantinha estreitas relações
comerciais com um dos secretários municipais, a ponto de
manterem, as empresas do proponente e a do secretário, a mesma
sala, para suas operações negociais.
b.
Nessas circunstâncias, não há como excluir-se a responsabilidade
do prefeito, pois é certo que tinha conhecimento da fraude,
tratando-se de obra de vulto para um município de pequeno porte, já que consistia
na reforma de prédio que serviu para sede da Prefeitura. Parcial procedência da
ação penal, para condenação do prefeito e do empresário licitante." (grifei)
3)E nos Tribunais de Contas? Tem sido também
este o entendimento?
A responsabilidade
solidária do Prefeito Municipal por ato praticado por auxiliares
seus, e até por particulares, encontra-se pacificada no Tribunal de
Contas do Estado de Santa Catarina. Veja-se nesse sentido o Acórdão
1154/2006, exarado no Processo nº TCE-03/06954494, Relator Conselheiro José
Carlos Pacheco, que apenou o Prefeito e Secretários Municipais por
atos praticados por Comissões Permanentes de Licitação subordinadas a
Secretarias descentralizadas, quais seja, Educação e
Desenvolvimento Social.
No Tribunal de
Contas da União há farta jurisprudência no mesmo sentido: até a presente
data existem mais de 256 ocorrência de culpa in vigilando (decorrente
da falha ou missão do dever de fiscalizar, no exercício do controle interno,
inerente às atribuições e prerrogativas do administrador público) e mais
de 271 ocorrências de culpa in eligendo (que resulta da
responsabilidade do gestor público em relação à escolha dos seus prepostos).
No Agravo de Instrumento a seguir, a matéria foi abordada pelo STF de
maneira mais direta:
AI 631841/SP, Relator Min. Celso de Melo, Julgamento 24/04/2009 (Dje –
082 05/05/2009)
"Os Secretários exercem cargos de confiança para praticarem atos
delegados pelo Prefeito, que os escolhe direta e imediatamente e tem a
responsabilidade não somente pela escolha, mas também de fiscalizar
diretamente seus atos. Por consequência, mostra-se inaceitável que,
pelas dimensões da maquina administrativa e relacionamento direto,
o Prefeito desconhecesse a liberação ilegal de pagamentos."
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