Concluindo a interpretação das 02 primeiras estrofes da “Canção de Mahamudra”.
Para Tantra (budismo tântrico), o que é, realmente, fundamental para se atingir a Iluminação? Conservar-se desprendido como a água.
Algumas vezes pode a vida exigir que nos movamos para o norte, às vezes para o sul. Mudar constantemente de direção poderá se tornar uma imperativo da vida e, conforme a situação, teremos de fluir, deixar-nos ir, simplesmente. Mas, se soubermos como fluir, isso só já bastará. O oceano já não estará tão longe, se soubermos fluir. Portanto, não se deve criar um padrão. Toda sociedade tenta criar um padrão, e todas as religiões tentam reforçar esse padrão. Só umas poucas pessoas, pessoas iluminadas, têm sido corajosas o bastante para dizer a verdade; e a verdade é esta: seja desprendido e natural! Se for desprendido, é evidente que acabará por ser natural: uma coisa faz parte da outra, complementa-a...
É importante assimilar que Tilopa não diz: "Seja moral!" Mas diz: "Seja natural!" E essas são dimensões diametralmente opostas. Um homem moral nunca é natural, não o pode ser. Porque se se sente encolerizado, não poderá demonstrá-lo porque a moralidade não o permite. Se sentir amor, não poderá amar, porque a moralidade estará presente. É sempre de acordo com a moralidade que ele age, e nunca de acordo com a sua natureza. Tilopa, porém, afirma: se começar a mover-se de acordo com padrões morais, e não de acordo com a sua própria natureza, jamais alguém alcançará o estado de Mahamudra, porque esse é um estado natural, o mais alto grau do ser natural. Se sentir-se encolerizado, mostre-se encolerizado — mas a perfeita consciência disso deve ser retida.
A cólera não deve sobrepor-se à sua percepção - isso é tudo. Deixe que a cólera flua, deixe que ela aconteça, mas mantenha-se inteiramente alerta para o que se passa. Permaneça desprendido, natural, consciente, observando o que acontece. Aos poucos, vai se ver que muitas coisas simplesmente desapareceram, já não acontecem; e sem qualquer esforço de nossa parte. Não foi tentado suprimi-las e elas, no entanto, desapareceram.
Quando uma pessoa está consciente, a cólera, aos poucos, desaparece. Torna-se simplesmente estúpida — não má, devemos lembrar, porque mal tem um valor que acaba sendo majorado. Ela torna-se, simplesmente, estúpida. Não será pelo fato de ela ser má que se deixará de permanecer tomado por ela, mas sim porque será uma tolice – é isso que deve ser entendido. Não um pecado, mas simplesmente uma estupidez. A avidez desaparece, ela é estúpida. O ciúme desaparece, ele é estúpido. Lembre-se dessa avaliação. Na moralidade existe algo bom e algo mau. E em ser natural existe algo sensato e algo estúpido, não mau.
Nada é mau, nem bom; só existem coisas sensatas e coisas estúpidas. E, se alguém é tolo, prejudica a si próprio e aos demais. Se somos sensatos, não prejudicamos a ninguém — nem aos outros, nem a nós próprios.
Não existe pecado, não existe virtude, sensatez é tudo.
Se quiser chamar a sensatez de virtude, chame-a assim.
E há a ignorância: se quiser chamá-la de pecado,
Acabará por entender que esse é o único pecado.
Assim, como transformar sua ignorância em sensatez? Essa é a única transformação que importa e não se pode forçá-la: acontecerá quando só e quando se estiver desprendido e natural.
“...permanecendo desprendido e natural, é possível quebrar o jugo,
ganhando, assim, a Libertação.”
E, então, a pessoa se torna totalmente livre. É difícil, a princípio, porque os velhos hábitos constantemente ressurgirão, forçando-nos a fazer algo: pode-se, em algum momento, gostar de ficar encolerizado, mas o velho hábito simplesmente induzirá um sorriso em seu rosto. Há pessoas que, apesar de sorrirem, pode estar certo disso, acham-se encolerizadas. Mesmo naquele sorriso mostram sua cólera. Ocultam algo e um falso sorriso aflora em seus lábios. São esses os hipócritas. Um hipócrita é um homem não-natural: se nele há cólera, ele sorri; se há ódio, demonstra amor; se há desejos assassinos, simula compaixão. Um hipócrita é um perfeito moralista, absolutamente artificial, uma flor de plástico, feia, que não se quer usar. Não uma flor de verdade, mas uma simulação.
Tantra é o caminho natural: seja desprendido e natural. Será difícil, porque os velhos hábitos terão de ser rompidos. Será difícil, porque tem-se de viver em uma sociedade de hipócritas. Será difícil, porque em toda parte acaba-se entrando em conflito com os hipócritas— mas será preciso passar por isso. Será árduo, porque há muito empenho em ostentações falsas e artificiais. Pode-se sentir completamente a sós, mas essa fase será passageira. Depressa outras virão, projetando a sua autenticidade.
Recorde-se: mesmo uma cólera autêntica é melhor que um sorriso falso, porque, pelo menos, é autêntica. E um homem que não pode sentir-se autenticamente encolerizado não pode, absolutamente, ser autêntico. Pelo menos ele é autêntico, verdadeiro, verdadeiro para com o seu ser. Seja o que for que aconteça, pode-se confiar nele, porque ele é verdadeiro.
E a observação a ser feita é esta: uma verdadeira cólera é bela e um falso sorriso é feio. Uma cólera verdadeira tem sua própria beleza tal como o verdadeiro amor — porque a beleza está relacionada àVerdade. Não se relaciona ao ódio, nem ao amor. A beleza diz respeito ao verdadeiro. A Verdade é bela, seja qual for a forma que tome.
Mesmo quando e se entendermos isto profundamente, permanaceremos, então, desprendidos e natural. Não se trata de algo de que nos possamos gabar. Nada de que possamos falar a outros, contando que a ganhamos.
Quando perguntaram a Lin Chi, outro Buda tântrico chinês : — "Que aconteceu? As pessoas estão dizendo que você se tornou um Iluminado!" — ele encolheu os ombros e disse: — "O que aconteceu? Nada; eu corto madeira na floresta e levo água ao ashram. Tiro água do poço e corto madeira, porque o inverno se está aproximando." — E sacudiu os ombros, num gesto muito significativo. Estava dizendo: — "Nada aconteceu. Que tolice que estão me perguntando! Cortar lenha na floresta e tirar água do poço é coisa natural. A Vida é absolutamente natural." E Lin Chi dizia ainda: "Quando sinto sono, vou dormir, quando sinto fome, como. A vida tornou-se absolutamente natural."
Liberdade é ser perfeitamente natural. A liberdade não é algo de que nos gabemos, dizendo que atingimos algo muito grande.
Nada é grande, nada é extraordinário. Tudo estará sendo apenas natural, se a gente for o mesmo. Portanto, o que fazer?
Por de lado as tensões, por de lado a hipocrisia, por de lado tudo quanto foi cultivado em tomo do seu ser, e torna-se natural. De início será coisa muito árdua, mas só de início. Desde que se consiga, outros também começarão a sentir que algo aconteceu, porque o ser autêntico possui muita força, muito magnetismo. As pessoas começarão a sentir que algo aconteceu: "Este homem já não vive como se pertencesse ao nosso meio, ele se tornou totalmente diferente." E não se estará perdido, porque apenas se perderam coisas artificiais.
Assim que o vácuo for criado, com o descarte das coisas artificiais, das simulações, das máscaras, então o ser natural começará a florescer. Ele precisa de espaço.
Esvazie-se, seja desprendido e natural. Deixe que isso se torne o princípio mais fundamental da sua vida.
Obs: quase tudo o que se está comentando aqui e será na continuidade da “Canção de Tilopa”, é baseado na obra “Tantra: a Suprema Compreensão”, de Bhagwan Shree Rajneesh, que foi o principal atualizador da vida, obra e ensinamentos do buda Tilopa.
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